A saúde cerebral depende de um estilo de vida saudável e de estratégias preventivas eficazes, que vão desde a educação até a prática de exercícios e atividades cognitivas estimulantes. No Dia Mundial do Cérebro, a Dra. Sara Varanda, neurologista do CNS Braga, apela a uma maior dedicação à saúde cerebral.
Se o coração é popularmente chamado de «a máquina», então, há que lembrar que nenhuma «máquina» funciona sem um «software» ou um sistema operativo que ative as engrenagens. E esse sistema, no corpo humano, é o cérebro. Sem cérebro não há alma e o organismo, por muito saudável que esteja, perde o seu funcionamento harmonioso, falhando.
Numa era moderna em que as pessoas têm, ou deviam ter, um seguimento médico de rotina, ainda é parco o investimento na promoção da saúde cerebral. Pessoas e médicos lembram-se da saúde cerebral quando surgem sinais de mau funcionamento – dores de cabeça, dificuldades no sono ou esquecimentos, por exemplo. Contudo, quando nada alerta sobre o «software», em geral, pouco se faz para prevenir a falência. No mês em que se assinala o dia mundial do cérebro, convém, pois, refletir sobre a necessidade de uma maior dedicação à saúde cerebral.
Os trabalhos científicos que se têm debruçado sobre a promoção da saúde cerebral partem sobretudo da doença – como prevenir o declínio cognitivo na doença de Alzheimer, como minimizar o impacto cognitivo da esclerose múltipla e da enxaqueca ou como reverter sintomas motores (lentidão, rigidez, tremor) na doença de Parkinson.
Relativamente à doença de Alzheimer, constatou-se que alguns cérebros em que realmente a doença existe, isto é, nos quais se verifica a acumulação da proteína anormal responsável pela morte dos neurónios (células operárias do cérebro), não manifestam em vida quaisquer sinais de doença ativa, ou seja, pertenciam a pessoas assintomáticas: sem esquecimentos, autónomas e ativas. O conceito na base deste «mascarar» da doença é o de reserva cognitiva: a doença existe, a proteína tóxica acumula-se, há morte neuronal, porém, as zonas saudáveis asseguram por mais tempo o adequado funcionamento cerebral. Como promover esta reserva cognitiva? O principal fator parece ser a educação. Há controvérsias sobre se a educação origina um efeito direto na reserva cognitiva ou se, por outro lado, desempenha um papel indireto por espelhar geralmente o contexto sociofamiliar e o estado geral de saúde. Promover o acesso à escola e equalizar as oportunidades pode, em última análise, prevenir o surgimento de sintomas em contexto de doença. Ainda no âmbito da prevenção da demência, um estudo que incluiu quase 4000 pessoas saudáveis na Europa e que as acompanhou durante 20 anos, documentou que a prática regular de jogos de tabuleiro preveniu o agravamento cognitivo nos doentes em quem veio a ser diagnosticada demência: tiveram um agravamento mais lento e, adicionalmente, menos sintomas depressivos. Estratégias preventivas como esta encaixam na definição de «neuroenhancement». São pouco dispendiosas e têm menos efeitos secundários, comparativamente a potenciais medicamentos que se venham a desenvolver neste campo.
Na área da doença de Parkinson, em que também uma proteína anormal se acumula nas células, os estudos no âmbito da promoção da saúde cerebral têm sido realizados ainda em modelos animais ou em amostras de doentes de pequenas dimensões, mas apontam, por exemplo, para benefícios da prática de exercício físico aeróbio de intensidade moderada nos sintomas motores. A influência na qualidade de vida não parece ser muito diferente consoante o tipo de exercício físico praticado (dança, natação, hidroginástica ou exercícios dirigidos ao equilíbrio). Também a música, sob a forma da integração numa orquestra comunitária, cantando ou tocando um instrumento, mostrou benefícios na doença.
Assim, o cérebro é sensível ao estilo de vida. Um bom nível educacional, o melhor ambiente laboral possível, a realização de passatempos estimulantes, a prática de exercício físico regular e o controlo dos fatores de risco vascular (pressão arterial, colesterol, açúcar, tabagismo e consumo de álcool) contribuem certamente para a saúde cerebral. Aquando do surgimento das doenças neurológicas, estas medidas têm o potencial de reduzir os sintomas, tornando-se pilares essenciais do tratamento, numa época em que, infelizmente, ainda não dispomos de medidas farmacológicas de prevenção.
Dra Sara Varanda, neurologista
CNS – Campus Neurológico