A quadra festiva está a aproximar-se, o que reforça a necessidade de estabelecer cuidados nutricionais. Neste âmbito, partilhamos uma entrevista à Prof. Doutora Ana Teresa Madeira, nutricionista no CNS –Campus Neurológico, onde explicou as estratégias para uma dieta saudável no Natal, tendo especial atenção aos casos de alterações na deglutição (disfagia).
Quais são os mitos mais comuns em torno da alimentação durante a época festiva?
Prof. Doutora Ana Teresa Madeira (ATM) – Um pensamento que nos pode dificultar a vida nesta altura do ano é considerar que se está perdido por 100, está perdido por 1000. Este pensamento leva-nos a não ser moderados nas exceções, quernos dias de festa, quer ao longo de todo o mês de dezembro. Outro mito associado é que uma broa de Natal por ser pequena, ou até mesmo um sonho não tem muitas quilocalorias, mas infelizmente não é assim. Uma broinha pode ter o açúcar equivalente ao que temos em dois pacotes dos que se adicionam ao café.
Na sua opinião, quais são os principais desafios enfrentados ao tentar manter uma dieta equilibrada durante as festividades?
ATM – Penso que um dos primeiros desafioséa disponibilidade de alimentos menos saudáveis durante todo o mês, seja no trabalho, nos almoços e jantares de Natal, em nossa casaou nasque visitamos, onde os chocolates e outros doces permanecem na mesa, mesmo à “mão” durante vários dias. Se as exceções alimentares se limitassem aos dias 24/25 e 31/1 os efeitos negativos seriam provavelmente pequenos. Outro desafio, que pode ao mesmo tempo ser uma oportunidade para as pessoas com perda de apetite, é que nós comemos mais quando estamos em grupo, e nestes dias passamos muito tempo à mesa. A grande quantidade de açúcar e gordura saturada dos doces e sobremesas festivos pode ser outro desafio para manter uma alimentação adequada nesta época.
Como podemos equilibrar a tradição gastronómica com escolhas alimentares mais saudáveis? Que ingredientes ou métodos de preparação podem ser modificados para tornar os pratos mais nutritivos, mas igualmente apelativos?
ATM – Muitos pratos que consumimos nesta altura e que fazem parte da nossa tradição têm ingredientes muito saudáveis e que estão inclusivamente contemplados na roda do padrão mediterrânico, tais como as batatas, as castanhas, a cebola, o alho, as couves e hortaliças de folha verde-escura, a cenoura,o tomate, a romã,o azeite, os oleaginosos como as avelãs e as amêndoas, mas também a carne e o pescado, sobretudo polvo e bacalhau. A questão fundamental é a quantidade. Em termos médios,a população portuguesaconsome carne/ pescado em demasia e fruta e hortícolas de menos. Além da quantidade, os métodos de confeção também são relevantes. É mais saudável fazer rabanadas no forno do que fritar em óleo, comer batatas cozidas ou assadas em vez de fritas, deixar o molho no pirex, ou confecionar o bolo-rei em casa. Gostava de salientar que na população mais velhaos desafios podem ser os opostos, ou seja,ingestão insuficiente e pouco apetite mesmo com mesas cheias.
Que cuidados alimentares sugere para garantir uma experiência segura e agradável para as pessoasque apresentam alterações na deglutição (disfagia)? Existem pratos ou receitas que podem ser adaptadas para esta condição?
ATM – Existem diferentes tipos e níveis de disfagia. É fundamental que seja feito um diagnóstico por profissionais de saúde especialistas e uma intervenção específica para cada pessoa. Pode ser perigoso generalizar, mas de uma forma geralexistemalguns alimentos que surgem bastante nesta época e que podem perigosos para muitas pessoas com disfagia, como por exemploalimentos rijos e pequenos como as avelãs, as especiarias em pó como a canela, a canja por ter duas consistências,o bacalhau com natas se as batatas e as rodelas de cebola ficarem grandes e a consistência não for cremosa e homogénea. Quase todas as receitas podem ser adaptadas de modo a serem seguras para as pessoas com disfagia. Existem alguns recursos e e-booksgratuitos que dão uma ajuda. É muito importante que os pratos de Natal sejam adaptados para as pessoas sejam adaptadospara as pessoas com disfagia e que se evitequeos alimentos de risco estejam disponíveis e muito “visíveis”, principalmente os mais tentadores. O escapede um líquido ou de um pedacinho de alimento para a via aérea nestes indivíduos pode ser dramática, mesmo que só aconteça uma vez.
Que outras práticas ou hábitos podem contribuir para um estilo de vida saudável e equilibrado durante esta quadra?
ATM – Além das questões alimentares que já referie das quais destaco a moderação nas quantidades, é útil lembrar-nos que nos devemos manter ativos nesta época. Pode ser mais difícil porque andamos mais atarefados, os dias são mais curtos ou mais frios, mas é importante manter a atividade física no diaadia, seja nas tarefas na cozinha, na preparação da casa, nas comprasse nos deslocarmos a pé, ou mesmo em jogos ou caminhadas em família. Por fim, gostava de referir que o famoso padrão mediterrânico que seassocia com melhores resultados de saúde inclui ainda a convivialidade à mesa, que não devemos perder.
Se pudesse destacar um único conselho para um Natal mais saudável, qual seria?
ATM – Que seja uma época de momentos felizes e boas memórias, mas que seja seguro. Há riscos que não compensam, sejam aqueles que podem ter consequências graves no imediato, como o risco de aspiração para quem tem disfagia, sejam os que têm consequências a médio longo prazo porque se vão acumulando ao longode “vários Natais”eque nos podem vir a reduzir muito a qualidade de vida.