O Dia Mundial das Doenças do Movimento assinala-se a 29 de novembro. O Prof. Doutor Joaquim Ferreira, Neurologista e Diretor Clínico do CNS – Campus Neurológico, destacou a importância da informação sobre estas doenças e do acesso ao tratamento adequado. Discutiu os desafios enfrentados por pessoas com doenças do movimento, assim como pelas suas famílias. Abordou, ainda, alguns sintomas, fatores de risco e avanços no tratamento.
O que são doenças do movimento e como é que estas afetam a vida das pessoas que as possuem?
Joaquim Ferreira (JF) – As doenças do movimento são doenças neurológicas que afetam o movimento normal. Podem manifestar-se por uma lentidão do movimento, de que é exemplo a Doença de Parkinson, ou cursarem com movimentos anormais como sucede com o tremor. A alteração do movimento normal, os movimentos involuntários anormais e a incoordenação do movimento podem afetar a capacidade de as pessoas realizarem atividades do dia a dia que requeiram uma maior coordenação do movimento (por exemplo: usar talheres, escrever, caminhar, etc.) ou causarem incómodo pelos outros sintomas que podem acompanhar as doenças do movimento que tendem a agravar com o tempo (neurodegenerativas).
Qual considera ser a importância do Dia Mundial das Doenças do Movimento, para a consciencialização desta condição médica?
JF – A existência de um dia que alerte e informe sobre as doenças do movimento permite explicar o que são estas doenças e desta forma facilitar o acesso dos doentes aos profissionais de saúde que melhor os podem ajudar e aos tratamentos mais benéficos. Estamos cientes de que muitas pessoas, inclusive muitos profissionais de saúde, não sabem o que são doenças do movimento, e foi por isso que a Sociedade Internacional da Doença de Parkinson e das Doenças do Movimento propôs a criação deste dia. O dia 29 de novembro corresponde à data de nascimento de Jean-Martin Charcot que foi um neurologista francês que desempenhou um papel muito importante na caracterização inicial destas doenças.
Quais são as principais/mais comuns doenças do movimento e quais são os seus sintomas?
JF – As doenças do movimento mais frequentes são a Doença de Parkinson, o tremor essencial e a síndroma das pernas inquietas. As pessoas com Doença de Parkinson podem apresentar tremor, que é um movimento anormal, e também uma lentificação dos movimentos. O que em geral alerta as pessoas para irem ao médico é o tremor. Contudo, há outras queixas que também podem resultar da Doença de Parkinson, como por exemplo o menor balanceio de um braço, a letra ficar mais pequena, o arrastamento de uma perna, a diminuição do olfato, entre outros sintomas. O tremor essencial é também uma doença do movimento. Manifesta-se por tremor, mais frequentemente das mãos, e começa habitualmente na juventude a vai agravando ligeiramente com a idade. O tremor manifesta-se principalmente quando as pessoas realizam tarefas com as mãos, nomeadamente escrever, usar talheres, levar um copo à boca, etc. A síndroma das pernas inquietas caracteriza-se por uma sensação de desconforto nas pernas, mais frequentemente à noite (ao deitar) e quando as pessoas estão sentadas em espaços apertados, e os doentes tendem a mexer as pernas em virtude desse incómodo. Infelizmente há muitas pessoas afetadas pela síndroma das pernas inquietas não diagnosticadas e desta forma não acedem aos tratamentos disponíveis que são altamente eficazes. Para além das doenças do movimento frequentes existem muitas outras doenças que também pertencem a este grupo de doenças, como por exemplo a doença de Huntington, a atrofia multissistémica, a paralisia supranuclear progressiva, as distonias musculares (de que são exemplo o blefaroespasmo e a distonia cervical), os tiques (nomeadamente a doença de Gilles de La Tourette) e a doença de Wilson. Muitas das doenças do movimento, pelo facto de serem raras, acabam por atrair menos atenção, não apenas pela população em geral, mas também pela comunidade médica e científica.
Quais os tratamentos e terapias específicas mais efetivas/comuns para as doenças do movimento?
JF – Embora muitas das doenças do movimento não tenham cura, todas devem ser diagnosticadas corretamente e todas podem beneficiar de um tratamento adequado. As terapêuticas mais usadas são os medicamentos administrados por via oral ou através da pele (adesivos). Contudo, existem terapêuticas mais complexas em que se incluem a administração subcutânea ou intestinal de medicamentos e cirurgias cerebrais (cirurgia de estimulação cerebral profunda e ultrassonografia focalizada). É cada vez mais reconhecida a importância de os doentes serem também tratados, de forma integrada, por outros profissionais de saúde, nomeadamente fisioterapeutas, terapeutas da fala, terapeutas ocupacionais, psicólogos, nutricionistas e enfermeiros.
Tem conhecimento de avanços recentes que têm contribuído para melhorar a qualidade de vida das pessoas afetadas por estas condições?
JF – Entre as doenças do movimento, aquela em que tem havido um maior progresso nas terapêuticas disponíveis é a Doença de Parkinson. Nos últimos anos ficaram disponíveis novos medicamentos que alargaram as possibilidades de tratamento farmacológico. De igual forma, houve também progressos nas intervenções cirúrgicas cerebrais que permitem tratar doentes com Doença de Parkinson, tremor e tiques.
Como é que as organizações médicas e de saúde estão a trabalhar para melhorar o diagnóstico precoce e o tratamento das doenças do movimento?
JF – As Sociedades Científicas, as Associações de Doentes e os Profissionais de saúde estão motivados para educar toda a comunidade sobre estas doenças. É importante contrariar a ideia de que estas alterações do movimento são “normais” e apenas resultantes do envelhecimento. Apenas pelo facto de a população portuguesa estar a envelhecer é antecipado que o número de pessoas com Parkinson vai duplicar em 30 anos. Em paralelo, e fruto da melhoria dos cuidados de saúde, as pessoas vão viver mais anos com a doença e chegar a fases mais avançadas. Desta forma, o peso dos cuidados, quer nos serviços de saúde, quer nas famílias, vai aumentar. Este facto dever obrigar-nos a repensar o modelo de cuidados de saúde. Eu antecipo que o modelo de cuidados vá ter de mudar no sentido de cada vez mais termos de intervir na comunidade e no domicílio, evitando que os doentes venham às unidades hospitalares. Todos, governos, sociedades científicas, médicos e associações de doentes, em conjunto, vamos ter de começar a preparar-nos, o mais rapidamente possível, para essa necessidade de mudança no modelo de cuidados a prestar.
Quais são os desafios enfrentados pelas pessoas que vivem com estas condições e pelas suas famílias?
JF – O maior desafio dos doentes e das famílias é conseguirem garantir o acesso aos melhores cuidados. Hoje é reconhecido que a melhor forma de tratar estas doenças passa por aceder aos tratamentos mais adequados, mas também a equipas multidisciplinares constituídas por vários profissionais de saúde que devem trabalhar e planear os tratamentos de forma integrada. São equipas que envolvem médicos neurologistas, psiquiatras, fisioterapeutas, terapeutas da fala, enfermeiros, nutricionistas, psicólogos e outros profissionais de saúde. Infelizmente, apenas uma minoria dos doentes consegue aceder a esta prestação de cuidados multidisciplinar.
Existem medidas preventivas ou estilos de vida que podem ajudar a reduzir o risco de desenvolver Doenças do Movimento?
JF – De uma forma geral, a melhor forma de poder evitar ou atrasar o aparecimento de muitas doenças do movimento é controlar os fatores de risco vascular (por exemplo: hipertensão arterial, obesidade, diabetes), manter uma atividade física regular e manter uma atividade social e intelectual estimulante.
Como é que a sociedade pode oferecer apoio? Como é que as pessoas se podem envolver e apoiar o Dia Mundial das Doenças do Movimento?
JF – A sociedade pode ajudar disseminando a informação sobre o que são doenças do movimento e fazendo pressão para que todos tenham acesso aos melhores cuidados, do diagnóstico ao tratamento. Muitas vezes as doenças que afetam as pessoas mais velhas geram menos pressão social para melhorar os cuidados e devemos combater essa tendência.
Que mensagem gostaria de transmitir àqueles que vivem com doenças do movimento e às suas famílias?
JF – A mensagem que gostaria de passar é que tentem informar-se e procurem ajuda. Mesmo quando não conseguimos fazer desaparecer estas doenças, é sempre possível ajudar, melhorando os sintomas e, desta forma, o bem-estar dos doentes e de quem os rodeia. E para não ficarem passivos! Devemos todos “lutar”, em conjunto, para que nenhum doente deixe de ter acesso aos melhores cuidados.