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Entrevista à Dra. Sara Domingues por ocasião do Dia Nacional da Paralisia Cerebral

20 de octubre, 2023

“O importante é iniciar o tratamento dos sintomas de paralisia cerebral o mais precocemente possível”

A 20 de outubro assinala-se o Dia Nacional da Paralisia Cerebral. Sara Domingues, médica especialista de Medicina Física e de Reabilitação no CNS – Campus Neurológico, explicou em que consiste esta doença, que apresenta desafios tanto para os doentes como para os cuidadores. Além disso, sublinhou a importância de iniciar o tratamento dos sintomas o mais precocemente possível, para que a plasticidade cerebral seja trabalhada. Destacou, ainda, como é que a investigação científica tem contribuído para os avanços no diagnóstico e tratamento da doença.

O que é a paralisia cerebral e como afeta as pessoas que vivem com esta condição?

Sara Domingues (SD) – A Paralisia Cerebral (PC) é difícil de definir. Não é uma doença, mas sim uma síndrome, ou seja, um conjunto de sintomas que podem variar de ligeiros a extremamente graves, causada por uma lesão cerebral permanente. É a causa mais comum de deficiência grave em idade pediátrica necessitando de acompanhamento e cuidados médicos ao longo da vida, afetando não só a criança, como também os pais ou os cuidadores.

Quais são os principais desafios enfrentados pelas pessoas com paralisia cerebral e pelas suas famílias no dia a dia?

SD – Podemos considerar três tipos de desafios. Primeiro, o desafio da deficiência. Apesar de ser causada por uma lesão permanente e não evolutiva, os sintomas apresentados sofrem modificações e alterações, exigindo muitas vezes alterações de terapêutica, novos produtos de apoio, possíveis intervenções cirúrgicas, entre outros, o que exige, muitas vezes, perda de dias de trabalho, capacidade económica, alterações arquitetónicas no domicílio. Depois, o desafio familiar. Uma criança com incapacidade obriga ao envolvimento de toda a família no seu cuidado, muitas vezes levando a situações de burnout dos pais. Deve haver um esforço nos cuidados à criança, mas também aos pais e cuidadores. Por fim, o desafio social. Se nas situações mais leves se pode pensar na integração social completa e no mercado de trabalho, nas situações complexas há enormes dificuldades em integrar estas crianças no meio escolar e social.

Quais são os tratamentos e terapias mais eficazes atualmente disponíveis para pessoas com paralisia cerebral? E de que maneira é que os tratamentos e abordagens precisam de ser personalizados para atender às necessidades individuais?

SD – Infelizmente não existe um tratamento para a PC. Como referi, a PC é caracterizada por um conjunto de sintomas e o seu tratamento passa pelo controlo desses sintomas e pela otimização da capacidade funcional destas crianças. Na realidade, o mais importante é iniciar o tratamento dos sintomas o mais precocemente possível, de forma a poder ser trabalhada a plasticidade cerebral. De resto, os tratamentos devem ser personalizados de acordo com o quadro clínico que a criança apresenta.

Como é que a investigação científica tem contribuído para avanços no diagnóstico e tratamento?

SD – A PC é causada por uma lesão permanente ocorrida durante o desenvolvimento do sistema nervoso central. A melhoria dos cuidados neonatais, a introdução dos protocolos de hipotermia, a utilização de medicamentos neuro protetores nas grávidas têm permitido a redução da prevalência da PC e na redução da possibilidade de lesões cerebrais. O acompanhamento por equipas multidisciplinares das crianças com PC tem permitido a introdução das terapias necessárias para o controlo de sintomas incapacitantes, evitando as complicações inerentes e permitindo ganhos funcionais.

Que mensagens ou ações são mais importantes para combater o estigma associado à paralisia cerebral?

SD – A PC não é uma doença transmissível, não é contagiosa. A criança com PC tem um conjunto de sintomas que podem ser trabalhados. Um dos trabalhos mais importantes é permitir a sua integração escolar, social, permitir a interação, permitir a brincadeira, permitir a comunicação, mesmo a não convencional.

Quais são as metas futuras para melhorar a qualidade de vida e as oportunidades para pessoas com paralisia cerebral?

SD – O acesso aos cuidados de saúde e a inclusão social.

Existem organizações ou grupos de apoio que desempenham um papel significativo na assistência às pessoas com paralisia cerebral? Como é que as pessoas se podem envolver ou apoiar estas organizações?

SD – Sim, os Centros de Paralisia Cerebral que existem em todo o país e que têm anos de experiência no acompanhamento e tratamento de PC. Existem fundações que apesar de não serem especificamente relacionadas com PC trabalham no sentido da integração social e profissional de pessoas com deficiência onde se incluem os doentes de PC. No que diz respeito a reabilitação, o Centro de Reabilitação do Alcoitão, com grande experiência no acompanhamento de crianças com PC. E no CNS onde iremos iniciar o projeto de Neuroreabilitação Pediátrica com uma equipa de Neuropediatria, Fisiatria e Fisioterapia, cujo objetivo é fazermos um acompanhamento multidisciplinar das crianças com PC.

Que mensagem gostaria de deixar neste Dia Nacional da Paralisia Cerebral?

SD – O Dia Nacional da Paralisia Cerebral deve ter como objetivo a consciencialização de toda a população para a igualdade de direitos, acessos e oportunidades para as pessoas com PC. Afinal, o “todos diferentes, todos iguais” deveria ser uma realidade.