Partilhamos um artigo de opinião da enfermeira Marta Pires, no qual explica o papel do enfermeiro na abordagem paliativa à pessoa com demência.
Embora assentes nos mesmos princípios dos Cuidados Paliativos em geral, os Cuidados Paliativos à Pessoa Idosa devem assumir algumas especificidades tendo em conta a complexidade dos idosos e o impacto que os problemas clínicos podem ter perante as suas fragilidades. A European Union Geriatric Medicine Society definiu o conceito de Cuidados Paliativos Geriátricos como “a prestação e gestão de cuidados médicos às pessoas idosas que padecem de problemas associados a doença progressiva e avançada, com prognóstico limitado, tendo como objetivo a qualidade de vida” (Pereira, 2014, p.295, citando Pautex et al., 2010).
Na prática, há ainda uma grande desvalorização dos idosos enquanto destinatários dos Cuidados Paliativos, eventualmente porque a morte é mais esperada. Esta desvalorização traduz-se em aspetos como: menor acesso a apoio emocional e espiritual nos últimos dias de vida, menor apoio na avaliação e controlo da dor, fraca participação nas decisões terapêuticas e na opção do local da morte (não são contempladas as suas opiniões) (Lloyd et al., 2016). No caso das pessoas com demência, a desvalorização evidencia-se ainda mais, possivelmente pela dificuldade na avaliação do sofrimento da pessoa; além disso, o controlo sintomático pode ser dificultado “pelo facto de se expressarem mal verbalmente e também pela ideia errónea de que este tipo de doentes não experimenta dor ou outros sintomas, embora a evidência disponível mostre que tal ideia é incorreta” (Neto, 2016, p.491). Estes aspetos refletem-se na dificuldade dos profissionais de saúde em reconhecer as suas necessidades paliativas e adequar um plano de cuidados a cada situação (Lloyd-Williams, Mogan e Dening, 2017). Esta complexidade exige uma abordagem multidisciplinar e multidimensional, com ponto de partida na avaliação das capacidades e necessidades (específicas) de cada pessoa.
Os cuidados à pessoa com demência incluem intervenções integradas e sistémicas, quer farmacológicas, quer não-farmacológicas, onde se destaca a abordagem familiar e psicossocial (Fernandes, 2014). De acordo com Guedes (2014), cerca de 43% dos idosos vivem com a família, o que contradiz o desinvestimento desta enquanto entidade cuidadora, e simultaneamente sustenta a necessidade de apoio às pessoas idosas e familiares na comunidade. Este é um aspeto desafiante para a Enfermagem, considerando que o enfermeiro é um profissional de proximidade com competência para avaliar e intervir na pessoa, em todas as dimensões e em todos os contextos de cuidados.
De acordo com o Palliative Nursing Group, do Royal College of Nursing, referido por Magalhães (2009), o papel da enfermagem paliativa implica a avaliação das necessidades da pessoa doente e sua família – no âmbito da saúde física, psicológica, social e espiritual – o planeamento, implementação e avaliação das intervenções adequadas com o objetivo de promover a qualidade de vida e uma morte digna. Assim, em todos os contextos de cuidados, os enfermeiros devem ser capazes de proporcionar suporte e conforto à pessoa doente, valorizá-la, manter a esperança, preservar a dignidade, estar presente, ser empático, conhecer bem o doente e família (alvo dos cuidados) e ter a capacidade de se manter atualizado nos conhecimentos, garantindo, assim, a qualidade e sustentação das suas intervenções (Jacono, 2009).
Enquanto os Cuidados Paliativos não forem uma realidade sedimentada nos cuidados de saúde em Portugal, é importante que todos os profissionais envolvidos – onde destaco os enfermeiros – conheçam a filosofia de cuidados para garantir a continuidade adequada de cuidados ao longo do percurso evolutivo da doença e desenvolvam competências para intervir, pelo menos, com ações paliativas, considerando os pilares da abordagem paliativa. O caminho a percorrer avizinha-se longo e desafiante para os enfermeiros, mas os despertar para estas questões – que seria, provavelmente, o passo mais difícil – já está a acontecer e, mais importante, vai ao encontro da enfermagem holística e interpessoal que é ensinada desde o início. Continuemos!
Marta Pires, Enfermeira do CNS – Campus Neurológico