Por ocasião do Dia Europeu da Terapia da Fala, assinalado hoje dia 6 de Março, partilhamos um artigo de opinião da Terapeuta Helena Santos, Coordenadora da Terapia da Fala na Unidade de Lisboa do CNS – Campus Neurológico, no qual explica as alterações da fala e deglutição mais comuns na doença de Parkinson e quando deve ser procurado o apoio de um terapeuta da fala.
A Doença de Parkinson (DP) tem uma face visível e mais facilmente identificável por todos (o tremor, a lentificação dos movimentos, os passos que se tornam pequenos), no entanto, tal como outras patologias neurológicas, o seu impacto sente-se em diferentes capacidades e funções. Hoje destaco duas: comunicar e alimentar-se de forma segura e sem que haja compromisso do estado nutricional e hídrico. Embora não sejam aquelas que a maior parte das pessoas evoca ao pensar na DP, as alterações nestas funções são diversas e muito frequentes e as suas consequências são determinantes na qualidade de vida das pessoas com esta patologia e dos seus familiares ou cuidadores.
A gestão destas alterações, assim como de outras associadas a esta patologia, requer o envolvimento de uma equipa multidisciplinar e nesta equipa inclui-se o terapeuta da fala. A terapia da fala como profissão tem o seu papel amplamente conhecido e divulgado em áreas específicas de intervenção como são as dificuldades de fala e comunicação na infância ou aquelas que surgem associadas a eventos como os acidentes vasculares cerebrais. No entanto, em outros domínios, por exemplo nas doenças neurodegenerativas, como a DP, a contribuição do terapeuta da fala é ainda pouco conhecida e, seja por este motivo, seja pela dificuldade em aceder a um profissional qualificado, as pessoas com estas patologias tendem a chegar tarde ou não chegar de todo à terapia.
Importa, assim, perceber de que modo a DP interfere com estas funções e em que medida um terapeuta da fala pode ajudar.
Porque é que a DP interfere com a comunicação?
Entre as alterações mais comuns na DP contam-se aquelas que ocorrem ao nível da fala. A voz torna-se mais baixa, por vezes rouca ou soprada e a articulação dos sons da fala torna-se cerrada e menos precisa, isto é, as pessoas mexem menos algumas estruturas como a mandíbula, os lábios e a língua, e os sons da fala tornam-se menos percetíveis para quem os ouve. A fala torna-se mais lenta ou demasiado rápida e o discurso tornar-se monocórdico, como se a pessoa perdesse a melodia típica da fala, o que resulta numa maior dificuldade em transmitir diferentes emoções através da fala e, no limite, pode ser difícil compreender qual a intenção comunicativa da pessoa (pode ser difícil, por exemplo, compreender se a pessoa está a fazer uma pergunta ou a afirmar algo). Para tornar a situação ainda mais desafiante, estas alterações são normalmente acompanhadas de um defeito de perceção, isto é, a pessoa com DP não percebe que tem estas alterações ou que são tão marcadas e, como tal, não tenta corrigir-se e tem dificuldade em compreender o porquê de os outros não entenderem o que diz. Uma das frases mais comummente ditas pelas pessoas com DP no momento da avaliação em terapia da fala é “A minha mulher/O meu marido está surda/o.” e isto deve-se ao facto de, efetivamente, a pessoa não compreender que a intensidade da sua voz baixou de forma considerável, ao ponto de ser difícil para os outros compreenderem o que diz, ainda que não tenham qualquer perda auditiva. Esta dificuldade é causa frequente de desentendimentos pois há uma quebra na eficácia comunicativa que é percecionada de forma diferente pelas partes envolvidas e, com o passar do tempo, a pessoa com DP pode tender a desistir, tornando-se menos comunicativa e mais isolada, mesmo em meios familiares como o contexto domiciliar ou os encontros com amigos.
E relativamente à deglutição, de que modo a DP compromete a capacidade para a pessoa se alimentar?
A deglutição refere-se à capacidade de transportar a saliva, os líquidos e os alimentos desde a boca até ao estômago, de forma segura. E o que significa transportar os alimentos de forma segura? Significa que durante o percurso estes não se desviam do seu trajeto habitual (boca – faringe – esófago – estômago) e entram nas vias aéreas (laringe, traqueia, pulmões). A entrada de saliva, líquidos, alimentos ou comprimidos nas vias aéreas resulta de uma alteração no processo da deglutição que é denominada de disfagia.
Em pessoas com DP, muitas vezes, os primeiros indícios de alterações na deglutição são (1) a sensação de aumento da quantidade de saliva na boca, que pode acumular na boca, garganta ou cair pelos lábios (a pessoa baba-se), (2) comprimidos presos na boca ou na garganta e (3) episódios de tosse/engasgamento com saliva, líquidos e sólidos secos e granulosos (como os frutos secos ou o arroz). Em fases iniciais, estes acontecem com menor frequência, por vezes uma ou duas vezes por semana e, por esse motivo são desvalorizados e não reportados aos profissionais de saúde. Com o avançar da doença, a sua ocorrência torna-se mais frequente e acontece com um maior número de alimentos, tornando a alimentação cada vez mais difícil e menos segura. Isto contribui para que haja uma menor ingestão de alimentos e perda de peso e, inclusivamente, perda de massa muscular, que pode resultar num agravamento das funções motoras e no aumento da fragilidade da pessoa. A par disto, com o agravamento da disfagia, aumenta a probabilidade de ocorrência de penetração de alimentos na via aérea que pode traduzir-se em episódios de obstrução total da via aérea (engasgamento) ou entrada de alimentos para os pulmões que, frequentemente, tem como consequência uma pneumonia de aspiração. Para além das consequências para a saúde, as alterações na deglutição contribuem para a diminuição do prazer alimentar e interferem com a componente social da alimentação, muitas vezes, a refeição passa a ser um momento difícil e de stress e deixa de ser um momento de união e socialização com família e amigos.
O que pode ser feito então? De que forma é possível minimizar o impacto destas alterações na qualidade de vida de pessoas com DP e daqueles que lhe são próximos?
A intervenção do terapeuta da fala pode, de uma forma muito geral, dividir-se em dois grandes grupos, por um lado, aquela que se foca na melhoria da função e, por outro, a que inclui a introdução e adaptação de diferentes estratégias que visam facilitar a comunicação e manter uma alimentação segura.
No que à fala diz respeito, quando é definido como objetivo melhorar a função (melhorar a qualidade vocal, aumentar a intensidade vocal, melhorar a qualidade da articulação dos sons) a evidência sugere a aplicação de programas de intervenção intensivos em que a pessoa com DP, realiza sessões quase diariamente durante um período de algumas semanas. Um exemplo deste tipo de programas é o Lee Silverman Voice Treatment (LSVT) que, embora se foque no treino da voz, demostrou ter bons resultados noutros subsistemas da fala, nomeadamente na articulação das palavras.
O mesmo acontece em relação à deglutição, programas intensivos que se focam no treino de aspetos concretos correlacionados com o ato de deglutir (coordenação respiração-deglutição, força dos músculos envolvidos na deglutição, movimento de elevação laríngea) que têm um impacto positivo e melhoram esta função, permitindo, assim, que as pessoas com DP mantenham uma alimentação por via oral menos restritiva.
É importante destacar, contudo, que o acesso a programas intensivos não está ao alcance de todos e, em determinadas situações ou fases da doença pode fazer mais sentido um programa com uma menor frequência semanal e de duração mais prolongada. As funções da fala e deglutição, tal como a marcha, implicam o correto funcionamento de um vasto conjunto de músculos e sabemos que a prática de exercício regular e mantida no tempo, parece trazer benefícios para as pessoas com DP. Sabemos também que, para uma boa parte das pessoas, com ou sem doença, a prática regular de um programa de exercício, sem acompanhamento, pode ser difícil e desmotivante. Acredito, por isso, que tal como a marcha, também as funções da fala e deglutição devem ser trabalhadas de forma regular e que um acompanhamento próximo por parte de um terapeuta da fala, não só ajuda a manter a regularidade da prática, mas permite, de forma muito mais precoce, detetar novas alterações e ajustar os programas de exercício.
Mas o exercício é suficiente? Existem outras formas de ajudar? Antes de ver os resultados do exercício, o que pode ser feito?
Como referido anteriormente, a intervenção em terapia da fala não se foca apenas na realização de exercícios. Uma componente essencial do trabalho deste profissional é a introdução e adaptação de estratégias ou instrumentos que facilitem a comunicação e aumentem a segurança da alimentação por via oral.
Desde o primeiro momento é importante que o terapeuta da fala ensine à pessoa com DP, bem como aos seus familiares ou cuidadores, estratégias para facilitar a comunicação. Estas podem focar-se em comportamentos que ambos adotam quando comunicam (exemplo: incentivar a pessoa com DP a falar com voz mais forte, ter conversas face a face) ou no controlo do ambiente em que a comunicação acontece (exemplo: sempre que possível, tornar o ambiente em que a comunicação acontece mais silencioso, eliminado ruído desnecessário, como a televisão ou o rádio do carro). Acontece, por vezes, que estas estratégias não são suficientes para aumentar a funcionalidade comunicativa e cabe ao terapeuta da fala ajudar a identificar as ferramentas mais adequadas, a ajustá-las às necessidades e contextos comunicativos de cada pessoa e a treinar a sua utilização. Um exemplo destas ferramentas é o amplificador vocal, um dispositivo que visa amplificar a voz de modo a que seja mais fácil para os outros ouvir o que a pessoa com DP pretende transmitir. Esta é apenas uma das possibilidades. O mais importante é conseguir encontrar uma solução que funcione para aquela pessoa e para os que lhe estão próximos e queresulte num aumento da funcionalidade comunicativa, mas que não se traduza num esforço tal para os envolvidos, que a sua utilização acabe por não ser facilitadora.
TF. Helena Santos
Coordenadora da equipa de Terapia da Fala
Unidade de Lisboa do CNS – Campus Neurológico